A perda de dentes é 19% mais prevalente em mulheres negras do que em homens brancos. Quando se analisa apenas o público feminino, as mulheres negras apresentam 26% mais perdas dentárias do que as mulheres brancas. Já entre os negros, as mulheres têm uma perda de 14% maior do que os homens. Em qualquer comparação, as mulheres negras são as mais afetadas pela perda dentária.
Esses dados, coletados em um levantamento realizado em Campinas, foram publicados na revista científica Plos One e fazem parte da tese de doutorado de Lívia Helena Terra e Souza.
Lívia explica que, durante a pesquisa, entrevistadores treinados utilizaram um questionário aplicado por tablets para coletar informações de 3.021 pessoas, com idade mínima de 10 anos. As perguntas abordaram a perda de dentes, sendo que os dentes de leite, os sisos e os extraídos para tratamentos ortodônticos foram desconsiderados. O estudo revelou que 52% dos entrevistados haviam perdido pelo menos um dente, com uma grande disparidade observada entre as perdas dentárias, especialmente quando as variáveis "raça" e "sexo" eram analisadas, com as mulheres negras sendo o grupo mais afetado.
O estudo também discute que a "raça" é um conceito socialmente construído, influenciado por dinâmicas históricas e relações de poder, e que o status socioeconômico é diretamente impactado por desigualdades raciais. A população negra, em geral, enfrenta menor renda, educação e maior vulnerabilidade social, fatores que afetam diretamente a saúde bucal.
Além disso, o estudo sugere que as minorias raciais, como os negros, podem sofrer os efeitos do racismo de forma biológica, devido a exposições cotidianas a discriminação e adversidades como pobreza, estresse e estereótipos. Tais condições podem impactar a saúde física e mental, afetando funções cardiocirculatórias, metabólicas e imunológicas. Na saúde bucal, as desigualdades podem ser atribuídas à pobreza, níveis educacionais mais baixos e discriminação nos cuidados odontológicos.
Em relação às desigualdades de gênero, o artigo menciona a opressão histórica das mulheres, que ainda persiste, especialmente nas questões de renda, trabalho, violência e a dupla jornada. Essas desigualdades parecem afetar a saúde emocional das mulheres, tornando-as mais vulneráveis a condições de saúde crônicas e limitantes, enquanto os homens têm mais propensão a comportamentos de risco e mortalidade precoce.
O estudo também destaca a importância dos cuidados metodológicos para evitar erros na coleta e análise dos dados. O professor Fredi Alexander Diaz-Quijano, coautor da pesquisa, ressalta o desafio de identificar o impacto de fatores como raça e sexo em uma doença que se manifesta ao longo de décadas. Ele acredita que os pesquisadores tomaram todas as precauções para mitigar possíveis vieses no estudo.
A coordenadora da pesquisa, professora Margareth Guimarães Lima, da Unicamp, explicou que os dados foram coletados entre 2014 e 2015 e não puderam ser atualizados devido à pandemia. Ela acrescentou que esse tipo de pesquisa é realizado a cada cinco anos, e que uma nova rodada está em andamento até 2023. Apesar da defasagem, ela acredita que os resultados ainda refletem a realidade, e que a situação pode até ter piorado devido ao agravamento da pobreza e do aumento da fome nos últimos anos.
O estudo foi financiado pela Fapesp e recebeu duas premiações: Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese (2022) e o Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos (2021).